Callado cita Malraux para dizer que "todo artista começa pelo pastiche, pela imitação de outro ou outros pintores. Ninguém se torna pintor 'diante da mais bela mulher e sim diante de outros quadros'".
(No Mínimo, Rato de Livraria)
Quase penso que tenho que me calar,
ao ler Callado, silenciosa e reverencialmente:
"Vivia isolado em sua arte, impermeabilizado. Um monge leigo. Um monge que perdeu Deus mas guardou o gosto da cela e do trabalho árduo" (sobre Cândido Portinari)
"...há uma garota de laço de fita que quase respira, desatenta ao quadro e a tudo mais, cheia de suficiência perfeita dada pelo existir, pelo estar ali" (sobre Festa de São João, de Portinari)
"A gente vai se vendo em vários estados de espírito. O que imaginamos que seja nossa 'parecença' fica às vezes de uma fixidez insuportável, mas um simples toque de pincel seco num canto de boca pode desarmar a parecença como num castelo de cartas" (sobre sua sensação de ter posado para um retrato, para Portinari)
"Às onze e quarenta da noite de 6 de fevereiro de 1962, na Casa de Saúde São José, foi arriada a cabeceira de metal da cama do 206. Arriada à linha horizontal, à linha da morte. Nas mãos cruzadas daquele que acabava de morrer a irmã colocou o crucifixo" (sobre ter presenciado a hora da morte de Portinari)
Cândido Portinari...
Tenho uma admiração cândida por esse homem,
não pela sua discreta e comedida vida de artista,
embora sagrado e reconhecido,
não pela sua história que toda desconhecia,
nem pela azul-beleza que Callado deu às palavras,
embora seja de azul que queira falar, nessa manhã gris.
Como bom canceriano, água me encanta e amedronta.
E Portinari é o retrato da Igreja da Pampulha,
minha querida lagoa da Pampulha, onde ia todos os
dias zunindo no vento fresco que minha bicicleta,
uma Monareta Azul (?), minha paixão máquina, fazia
bater em meu rosto sardento e suado,
em meus quinze anos, embora antes ali matasse
aulas do ginásio, pescando, nadando...
Naquela época não tinha xistose.
Talvez de chinelo de dedo pedalando,
ou um kichute preto e rôto,
sentia-me um ator de Titanic,
à proa do dardo que apontava
em direção ao infinito,
e gritando: "Eu sou o Rei do Mundo!"
Pampulha...
Portinari...
Azul...
Tardes de setembro...
Lírios em meus olhos...
Museu da Pampulha...
Bailes da Casa do Baile
que não fui, museu que
foi cassino em que não joguei,
Igreja que guarda o Deus
a quem eu peço: faz o dia azul?
Azulejemos!
(No Mínimo, Rato de Livraria)
Quase penso que tenho que me calar,
ao ler Callado, silenciosa e reverencialmente:
"Vivia isolado em sua arte, impermeabilizado. Um monge leigo. Um monge que perdeu Deus mas guardou o gosto da cela e do trabalho árduo" (sobre Cândido Portinari)
"...há uma garota de laço de fita que quase respira, desatenta ao quadro e a tudo mais, cheia de suficiência perfeita dada pelo existir, pelo estar ali" (sobre Festa de São João, de Portinari)
"A gente vai se vendo em vários estados de espírito. O que imaginamos que seja nossa 'parecença' fica às vezes de uma fixidez insuportável, mas um simples toque de pincel seco num canto de boca pode desarmar a parecença como num castelo de cartas" (sobre sua sensação de ter posado para um retrato, para Portinari)
"Às onze e quarenta da noite de 6 de fevereiro de 1962, na Casa de Saúde São José, foi arriada a cabeceira de metal da cama do 206. Arriada à linha horizontal, à linha da morte. Nas mãos cruzadas daquele que acabava de morrer a irmã colocou o crucifixo" (sobre ter presenciado a hora da morte de Portinari)
Cândido Portinari...
Tenho uma admiração cândida por esse homem,
não pela sua discreta e comedida vida de artista,
embora sagrado e reconhecido,
não pela sua história que toda desconhecia,
nem pela azul-beleza que Callado deu às palavras,
embora seja de azul que queira falar, nessa manhã gris.
Como bom canceriano, água me encanta e amedronta.
E Portinari é o retrato da Igreja da Pampulha,
minha querida lagoa da Pampulha, onde ia todos os
dias zunindo no vento fresco que minha bicicleta,
uma Monareta Azul (?), minha paixão máquina, fazia
bater em meu rosto sardento e suado,
em meus quinze anos, embora antes ali matasse
aulas do ginásio, pescando, nadando...
Naquela época não tinha xistose.
Talvez de chinelo de dedo pedalando,
ou um kichute preto e rôto,
sentia-me um ator de Titanic,
à proa do dardo que apontava
em direção ao infinito,
e gritando: "Eu sou o Rei do Mundo!"
Pampulha...
Portinari...
Azul...
Tardes de setembro...
Lírios em meus olhos...
Museu da Pampulha...
Bailes da Casa do Baile
que não fui, museu que
foi cassino em que não joguei,
Igreja que guarda o Deus
a quem eu peço: faz o dia azul?
Azulejemos!
Nenhum comentário:
Postar um comentário