quinta-feira, junho 09, 2005

Era Meia Noite

Era um dia qualquer.
Lembrava de uma caixa, com uma rosa, e um bilhete, escrito "Sim!"
Procurava a caixa, e nem a rosa, nem o "Sim" existiam mais.
Não havia mais garrafas de uísque a serem abertas, nem copos a serem
erguidos, nada havia para comemorar.
Nos livros espalhados, passara cola nas páginas, para que não lhe
incomodassem mais as palavras impressas, de quem quer que fosse. O
sentimento era de abandono, como se o universo conspirasse, sob o tremeluzir
de estrelas distantes, mesmo que pesadas nuvens cobrissem todo o céu que a
vista alcançava, todo contra, tudo a derrubar como os trovôes a ribombar.
A caixinha de música tocava sem parar, numa corda sem fim, uma canção nova.
Agradava aquela melodia. Um retrato sobre a mesa exibia um sorriso novo, e
aquele olhar estampado no papel da memória apazigüava dores inominadas,
tantos nomes elas tinham e tanto ele tentasse esquecer todos aqueles nomes.
Alguns, nem tanto, outros, definitivamente não, muitos, com certeza para
sempre, enqüanto durasse a noite, enqüanto durasse o dia, enqüanto durasse a
mágoa.
Lembrara de seu papel de rei mago, deixando, como se três fosse, incenso,
mirra e ouro, dado de presente ao novo habitante que trazia esperança ao
mundo. Já se passara muito tempo, e outras vezes fora rei, outras vezes,
deixara presentes, que não se prendiam nas mãos, que não perfumavam os
ambientes, que não compravam luxos nem traziam riquezas.
Floresciam, ainda que fosse noite, flores em jardins tantos.
Ouviriam-se, se apurasse o ouvido, gritos de ódio, de raiva, de gozos, de
palavrões.
A caixinha de música tocava, sem parar.
Pensou onde encontrar de novo incenso, ouro e mirra.
Para colocar ao lado da caixinha.
Ouviu um choro, distante.
Apurou o ouvido, e percebeu que vinha de dentro dele mesmo.

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