Pegou o telefone, meio desolado, e ligou para o amigo:
- Acho que vou largar ela!
O amigo se assusta:
- Que isso, cara? Vai separar?!
- Não, não é minha esposa. A gente está até bem, considerando o que a outra me consome... Mas sabe como é, muitos anos de casamento, e a gente acha que a oportunidade é agora ou nunca, e embarca como se fosse atravessar um riachinho raso, e vê que o negócio é fundo...
- Quer parar com isso? Você sempre com essas coisas de metaforizar a vida... Já não basta a filosofia de toda a juventude, a gente ouvindo você declamar poemas de poetas que nunca mais ouvimos: Bukovisky, Mayakovisk, Bandeirovisk, andando com a foto de Guevara na carteira, fazendo a gente levar cassetetadas da PM até nas serenatas que a gente ia fazer para as namoradas... Que estória é essa agora? Você tem uma amante?
- Pois é, mas a idéia a princípio não me seduzia...enfim, acabei aceitando. Sabe como é, os outros dão força, mostram as belezas que a gente vê ali, na hora. Depois, vem a noite, a solidão com a gente mesmo, e a dor na consciência. Meus filhos já casados, netos chegando, e eu vivendo essa vida, não dando mais conta de qüase nada, negligenciando minha mulher, chegando em casa tarde, qüando vou para casa...
- Deixa de frescura! Hoje em dia tem remédio para tudo! Toma umas pílulas daquelas azuis, e pronto!
- Quem dera fosse fácil assim. O caso é que eu já não agüento mais!
- Putz, cara, você está por cima da carne seca, morando em Brasília, altos empregos, deve estar chovendo de mulher, sua esposa ficou na sua casa, acho que você não deve se consumir por um relacionamento assim, digamos canalhamente, fortuito. Não que eu aprove, mas quem poderia condená-lo mais que sua consciência?
- Pois é, a consciência...
- É, isso é que é o mais complicado. Mas faz isso, cara: larga essa mulher, seja ela quem for, que idade tiver...
- Mulher? Que mulher? Eu não agüento mais é esse emprego público nessa secretaria!!!
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