segunda-feira, janeiro 17, 2005

Posta Restante

Resta posta sobre minha mesa de trabalho, uma sacola, com dois presentes, que vai fazer aniversário de um ano em breve.
São fotos, de viagem e criança, e um canivete, para uma criança qüase adolescente.
São promessas ainda não cumpridas, de mandar assim que chegar...
São, enfim, coisas que no ano novo a gente sempre diz que vai fazer acontecer.
A gente nunca chega.
Parece que o tempo dilata a alma que acha que ainda não é tempo:
- uma criança pode ganhar um canivete? As fotos estão boas?
Restam, postas em pastas, as cartas que nunca mandamos.
Uma pessoa me dizia de um conto (?) em que as cartas do amado, eram devolvidas pela amada, sem serem lidas, por anos a fio.
Custei a acreditar nisso, até que um dia tive vontade de não mais saber nada de algumas pessoas.
Há um tempo, foi descoberta uma fraude que dizia que cartas escritas para um soldado morto, jamais entregues, e que foram publicadas, mas não passava de fantasia:
- o tal soldado nunca existiu, e a tal amada, era na verdade alguém escrevendo, fazendo literatura, apenas.
A escrita, é literatura.
Registros que fazemos, como as fotos que não mandamos, e as que não gostamos.
Como literatura é um papel de bala güardado em um livro que jamais terminamos de ler, trocando a literatura do que está escrito no livro pelo que está escrito na memória.
Simbolizado, ao invés de palavras indelevelmente escritas, por um papel celofane, talvez de uma bala com cara de macaco, ou um daqueles com um "torpedinho" inocente e insôsso.
Agora, há escritos que nos descrevem, esculpidos como, se fóssemos em mármore de Carrara, tal e qüal, somos.
Nada, enfim, que uma borracha não apague, um borrão não borre, uma mão não poste.
Ou o tempo consuma a escultura, com suas chuvas ácidas e seus ataques terroristas. Ou arredonde as formas com os ventos quentes fustigantes que vêm dos desertos arenosos da existência.
Consome-me pensar onde resta, a posta restante.
Pois que descanse na paz do que foi escrito e jamais lido.
Que me consome a fome,
me seduz a luz,
me arremeda a vaca-louca,
já que à rima, minh'alma declina,
rôta e frouxa, com saüdade dessa lucidez,
que acha que palavras, tantas,
são só isso: palavras.
Ponho-a de lado (a lucidez...), para escrever tão somente.
Que as escrevo (as palavras...), para quem quer que seja eu.
E para alguém, numa ilha, a quem alcance uma garrafa com um pedaço de papel, escrito, que não seja o rótulo.

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