segunda-feira, novembro 01, 2004

Telefone

Toca o telefone
numa estridência
que quebrou a paz
da pachorrenta
tarde de feriado
trancado
numa saleta
de cigarro fedorenta,
e ele ouviu a voz dela:
- "Olha, não posso mais... Esperei mais de 3 anos, e agora, não posso mais: não te espero mais!"
Ele se recompõe, e passa na memória que som era aquele, que parecia familiar, da voz de uma mulher num tom que não ouvira desde... 3 anos!
Fugira para um trabalho, que consolava-se pela cerveja, agora quente sobre a mesa encardida da saleta escura de cigarro fedorenta... 3 anos, e então, pela conta, qüase que vê os dedos amarelados dançando sobre o teclado da velha calculadora com visor verde pulsante, em luz amortecida pela claridade distoante de tudo escuro em volta, do lap-top aberto sobre a velhíssima mesa. 3 anos, mais de mil dias...
mil dias não!!!
Em todos os dias
desses mais de mil dias,
não havia bons-dias,
nem por fim, ora,
quem o diria?
- aquela voz naquele tom -,
maldito e bendito tom,
com a força de um trator,
arando com garras duras,
os campos que cultivara...
Entre tudo isso,
entretanto,
apenas pensara:
"Mil dias...
mil vezes complicada essa coisa
que queria entender porquê
é preciso tanto tempo
para apenas ver
que nem mesmo mil dias mudam
o sentido complicado
que se tem para dizer
da luz mortiça do qüarto
sempre fechado
que apenas sabe
na verdade qüanto custa dizer quê,
mais de mil dias!,
e agora penso na verdade,
que antes de mais nada,
esse muquifo escrito
deveria chamar "Muquifo",
mais digno
que o telefone preto
sobre a mesa encardida
escura no qüarto escuro
que nada mais é
que o retrato de tudo
que fôra mais de mil dias,
e em todos eles,
lembrar dela..."

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